sexta-feira, 16 de junho de 2017

(Continuação 8) - Actualização em 07/05/2021

Balizas do rio Douro


Farol de São Miguel-o-Anjo 


“O Farol de São Miguel-o-Anjo, também conhecido por Torre, Capela ou Ermida de São Miguel-o-Anjo, situado junto ao Jardim do Passeio Alegre é um primitivo farol português, classificado como Imóvel de Interesse Público que se localiza na Cantareira, Cais do Marégrafo, na freguesia da Foz do Douro.
Primeiro edifício puramente renascentista datado em Portugal e um dos mais antigos da Europa.
Trata-se de uma torre quadrangular em cantaria de granito encimada por uma cúpula de tijolo com oito gomos, formando uma pequena abóbada, rebocada e caiada de branco, que contém uma grade de ferro a substituir a primitiva balaustrada, apoiada numa cornija lavrada, que encima as quatro paredes do edifício.
O seu interior apresenta uma forma octogonal, com três nichos com o formato de conchas, incrustados na parede do lado do rio. Em cada nicho haveria uma imagem. O central, mais alto que os outros dois tinha um pequeno altar na sua base. Uma escada em caracol, incrustada na parede junto à porta, faculta o acesso à cobertura.
Quanto ao lugar onde estaria situada a luz do farol, o edifício não mostra o mais leve sinal. Segundo alguns era no interior da torre, em frente à vidraça da janela da parede oeste, hoje tapada pelo edifício da Guarda-Fiscal, que estava posta a candeia que alumiava o farol. A comprová-lo existe um manuscrito antigo que afirma «existir uma grimpa no topo da abóbada que servia de respiradouro ao farol».
Em 1527, foi mandado construir, conforme reza uma inscrição latina na parede voltada para o rio, que traduzida diz: "Miguel da Silva, bispo eleito de Viseu, mandou construir esta torre para dirigir a navegação, ele mesmo deu e consignou campos comprados com o seu dinheiro, com o rendimento dos quais foram acesos fogos de noite perpetuamente na torre, no ano de 1527".
Desativado o farol nos meados do século XVII, manteve a partir daí, somente o uso como Capela, sendo a construção classificada como Imóvel de Interesse Público em 1951.
Em 1841 foi construído um edifício anexo à Capela-Farol, para aí instalar um posto da Guarda-Fiscal.
Em 1852 foi edificada uma torre anexa, com 3 pisos, onde foi instalada uma estação telegráfica”.
Fonte: Teixeira da Silva



Depois de anos ao abandono, no ano de 2017, foi decidido recuperar a capela-farol e a sua envolvente, de modo a que seja criado um Núcleo Interpretativo do Farol/Ermida de São Miguel-o-Anjo, inserido no projeto global de recuperação e requalificação deste local emblemático da cidade do Porto, permitindo, assim, vir a potenciar o conhecimento sobre o primeiro farol construído de raiz em território nacional, por volta de 1528.
Finalmente, em 2020, foi recuperado todo o espaço adjacente à capela-farol.
Desde há alguns anos, o complexo encontra-se ocupado com uma delegação dos Pilotos da Barra do Douro.



Inscrição latina, na fachada sul



Farol-capela e a antiga estação telegráfica de 3 pisos, antes da última intervenção


Em 2020, a torre onde esteve a estação telegráfica já está recuperada. À direita o farolim da Cantareira – Ed. Manuela Campos




A Cantareira em 1848


A imagem anterior é segundo o site “PortoDesaparecido” :


“…reprodução de uma gravura representando a Cantareira na Foz do Douro que pertencia a um conjunto com o título: «As margens do Douro, coleção de doze vistas». Esta coleção de vistas foi desenhada por Cesário Augusto Pinto, em 1848, e foi editada na litografia de Joaquim Vitória Vilanova, com sede na Rua do Campo Pequeno, na cidade do Porto, em 1849”.


Mesma perspectiva (actual) da gravura anterior, com capela-farol de S. Miguel-o-Anjo (à esquerda) e, em frente, a capela de Nª Sª da Lapa




Eram várias as designações por que eram co­nhecidas as pedras e rochedos localizados à en­trada da barra do rio Douro, perfeitamente visí­veis no desenho anterior, em que tam­bém se veem a igreja matriz da Foz, a capela de S. Miguel-o-Anjo e a capela de Nossa Senhora da Lapa.
Havia a "Ponta do Dente", imagina-se porquê; o "Aguião", que a maré- cheia, encobria; a "Bezerra de Fora" e a "Bezerra de Dentro", no enfiamento do castelo. Os manuais de navega­ção citam a seguinte rota: "por entre a pedra da Olinda e o Cabedelo, continua a linha navegá­vel...". E também era assinalado o "canal da Laje, que fica entre a pedra Davra e os penedos Fogamanadas e os filhos da Prelonga...".



Capela-Farol de S. Miguel-o-Anjo, vista de terra, em gravura de Gouvea Portuense




Gravura a água-forte da Capela-Farol de S. Miguel-o-Anjo



Na última gravura de Manoel Marques de Aguilar, vê-se a Capela de S. Miguel o Anjo e o Forte de S. João da Foz com o destaque para a cúpula da Igreja renascentista (1542) dentro do Castelo.
Sobre este farol/Capela fala-nos o texto que se segue da autoria de Germano Silva:

“…balizas deve entender-se as marcas para a orientação de navios, que tanto podem ser árvores de grande porte; edifícios cons­truídos em sítios elevados ou de enormes proporções; ou torres construí­das propositadamente para o efeito. 
No rio Douro, entre a foz e a Ribeira, houve, ao longo dos tempos, especial­mente quando aquele rio era um porto natural, várias dessas marcas, umas natu­rais, outras feitas pelo próprio homem, para ajudar os mareantes a conduzir os seus barcos em segurança quando de­mandavam a perigosa barra do Douro. A mais antiga julga-se que tenha sido um pinheiro que se erguia mesmo à entrada do rio. Mas a árvore um dia secou, mirrou e terá caído numa noite de ventania. 
Em 1867, um grupo de mer­gulhadores que se ocupavam em quebrar alguns rochedos existentes no leito do rio à entrada da barra, para facilitar a entra­da dos barcos, encontraram debaixo das águas uma estátua de pedra que repre­sentava a figura de um homem vestido à romana - O Togado. 
Passados poucos dias, novo achado: desta feita, uma lápide com uma inscri­ção em latim. E logo a seguir apareceu uma coluna de pedra. A leitura da legen­da, de que constava o ano de 1536, não deixava dúvidas: a lápide, a estátua e a co­luna faziam parte de uma espécie de mo­numento mandado colocar a meio do rio pelo bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, para servir de orientação aos navios que pretendiam entrar na barra do Douro. 
A esta altura da crónica, estou a imagi­nar o leitor a perguntar: e que tinha o bis­po de Viseu a ver com a foz e com a entra­da e saída de navios no rio Douro? Tinha, sim senhor. D. Miguel da Silva, além de ser bispo de Viseu, era, também, abade comendatário do mosteiro beneditino de Santo Tirso, a que pertencia o couto da Foz do Douro, logo tinha interesses nos rendimentos resultantes dos impostos que o couto pagava àquele convento. 
Voltemos à estátua. Serviu, na foz do Douro, seguramente como marca de orientação aos navios. Deve ter substituí­do o tal pinheiro. Pelo teor da legenda, a estátua estava colocada em cima de uma estrutura feita em pedra e sustentada por quatro colunas. 
Muito perto do local onde fora coloca­da a estátua, e com o mesmo intuito, o de facilitar a entrada e a saída da barra do rio Douro, o mesmo bispo, D. Miguel da Sil­va, mandou fazer, em 1538, quase no meio do rio, uma capela-farol que colocou sob a proteção de S. Miguel-o-Anjo. 
Visto do exterior o edifício, que ainda existe, tem a forma quadrada, mas inte­riormente era octogonal. Em tempos idos, na parte voltada ao rio, tinha uma espécie de átrio com assentos de pedra. Ainda na fachada voltada ao Douro, tinha gravada numa pedra a seguinte legenda em latim: "Salvos ire rogo Deum", ou seja "Rogo a Deus que passem sãos e salvos". Tinha, porque a inscrição já quase se não lê”.
 


Também serviu de baliza aos navegantes do rio, a Capela de Santa Catarina, A Torre da Marca, A Igreja dos Clérigos e a Torre da Lapa, que nada tem a ver com a igreja, mas sim, com a estrutura na qual esteve o telégrafo e que foi também moinho, situada nas imediações da igreja da Lapa.



Farol meio escondido no fim do século XIX  e posto de Pilotos, e lá muito atrás, o Marégrafo – Ed. Emílio Biel



A Capela de Nossa Senhora da Lapa (à esquerda) e o Farol/capela de S. Miguel-o-Anjo, Torre Telegráfica e Estação dos Pilotos (à direita) e, na ponta do cais, o marégrafo – Aguarela de Elisabeth Reid



Cais do Marégrafo - Pilotos da Barra do Douro, Marégrafo e  Casa da Consulta


A entrada na barra do Douro sempre apresentou dificuldades para ser ultrapassada e era tarefa, apenas, para os mais experimentados.
Por esta razão, alguns pescadores de S. João da Foz devem ter-se tornado, com a sua experiência, pilotos de barra.
Por isso, sem qualquer enquadramento, aqueles que melhor conheciam os perigos do local ofereciam-se para desempenhar a função de ajudar os comandantes das embarcações, que desconheciam os perigos escondidos, a vencer aquela barra.
A Câmara do Porto decidiu criar, então, em 1584, um corpo de pilotos devidamente enquadrados, que guiasse a entrada e saída das embarcações que chegassem ao Douro.
 
 
“É curioso observar que mal se presenciava um navio ao longe, uma catraia se encaminhava em seu auxílio, sendo o piloto desta embarcação a conduzir o navio para um melhor lugar. Esta função já tinha sido implementada na época de D. Filipe II (1584), o que iria proporcionar em 1628, a criação do Regimento dos Pilotos da Barra, que determinava a sequência de operações a observar obrigatoriamente pelos pilotos. Um século mais tarde, seria colocado em prática um novo regimento, com pequenas alterações. Estes pilotos, determinavam a graduação do navio, assim como tomavam o seu leme de forma a introduzi-lo dentro do porto. Na ausência de vento, entravam as embarcações grandes, auxiliadas pelas catraias dos outros pilotos da terra”.
Cortesia de Ruben Ribeiro (Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
 
 
 
 
O corpo dos Pilotos da Barra do Douro assentou arraiais junto da foz do rio, próximo da capela de Nossa Senhora da Lapa que, dizem, será mais antiga que a capela de S. Miguel-o-Anjo.
A Senhora da Lapa ficou, assim, a ser a padroeira dos pilotos.
O edifício, que ainda hoje ocupam, teria sido construído, segundo alguns historiadores, em 1841, adossado a uma fachada da capela-farol de S. Miguel-o-Anjo.
Por outro lado, pela observação da gravura (1848) “A Cantareira” de Césario Augusto Pinto, já exibida, se observa que o edifício dos pilotos ainda não tinha sido construído. Será, então, aconselhável dizer-se que aquela construção será de meados do século XIX.
Entretanto, quanto à torre telegráfica, também ela adossada a uma fachada da capela de S. Miguel-o-Anjo, não há dúvidas. Foi levantada em 1852.
 
 
 
Pilotos da Barra do Douro (em primeiro plano)
 
 
Actualmente, e desde há alguns anos, os pilotos passaram a ser “Pilotos da Barra do Douro e Leixões”.
Para além da função de manobrar as embarcações pela barra do rio, os pilotos cuidavam, ainda, de duas estruturas assentes no cais do Marégrafo – a Casa da Consulta e o Marégrafo.


Marégrafo - In: “portoarc.blogspot”

 
Na foto anterior, instalado no chamado Cais do Marégrafo, a sul da capela/farol de S. Miguel-o-Anjo, junto ao Anemógrafo (o medidor de ventos), observa-se o Marégrafo da Cantareira que servia para medir o fluxo e refluxo das marés.
O Marégrafo da Cantareira regista o nível médio das águas da barra através de uma boia que flutua num poço.
Teria sido instalado, algures, no último quartel do século XIX.
 
 

Cais do Marégrafo, em 1900 – Ed. Carlos Pereira Cardoso
 
 

O Marégrafo, em destaque na elipse, a preto, em 1892, na planta de Telles Ferreira



Em pleno século XX, seria construído um pequeno edifício, abarracado, no cais do marégrafo, denominado “Casa da Consulta”, em substituição de um outro, que tinha sido alienado pela autoridade marítima e localizado nas imediações.
Na “Casa da Consulta” funcionavam os serviços de sinalização diurna por balões e os comandos eléctricos da sinalização luminosa para o período nocturno.
No ano de 2021, a “Casa da Consulta” seria demolida e os serviços que aí operavam foram descentralizados para outros equipamentos.
 
 

Casa da Consulta, a meio da foto, no Cais do Marégrafo – Fonte: AHMP
 
 

Casa da Consulta, com o seu mastro de sinalização, no Cais do Marégrafo - Ed. Igor Martins/Global imagens, In JN
 
 

Demolição da Casa da Consulta




O Togado e a Cruz de Ferro

O Togado é uma estátua em granito, que representa uma figura masculina trajando uma túnica curta, coberta por uma toga. O braço direito repousa na dobra da toga e o braço esquerdo segura um objecto indeterminado.




O Togado



“Numa descrição da barra do Douro, de Manoel de Pimentel (1650-1719), In “A Arte de Navegar” é referido ,

«Cruz ou pilar, que he huma rocha onde há huma torrinha redonda com a Ermida de S.Miguel, que está na borda da agua na ponta das pedras de São João da Foz, e assim se governa até estar perto da Cruz, ou pilar, que he huma rocha, onde ha huma torrinha redonda, costeando-a o mais de perto que puder ser, deixando-a a bombordo; e outra pedra, que está em meio canal, ficará a estibordo através do navio; e passada ella, se vai por meio canal até a Cidade, e se amarra ao cais, ou no meio do rio».


Essa torrinha redonda foi mandada construir, em 1536, por D. Miguel da Silva. Tratava-se de um pequeno templo, de planta circular, que assinalava um dos rochedos da barra depois conhecido como Cruz de Ferro.
Nesse pequeno templo terá sido colocada uma estátua que ficou conhecida pelo nome de “O Togado”.
Quando no âmbito dos trabalhos de levantamento dos paredões das margens do rio Douro e dos cais, na zona da Cantareira, conduzidos pelo engenheiro Manuel Afonso Espergueira (1835-1917) foi retirada do Douro em 1867,tal facto seria noticiado em O Comércio do Porto na edição do dia 13 de Junho de 1868, que referia o achado de uma «…estátua de pedra de granito, que mede 1m,30 de altura, (…) bem esculpida e representava um homem vestido à romana».
E considerava que era de crer que esta estátua estivesse colocada na primeira Cruz de Ferro que existiu na Barra. 
Foi recolhida pelo arquitecto e arqueólogo Joaquim Possidónio da Silva (1806-1896), 1º director da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses (fundada em 1863), que a adquiriu para o Museu do Carmo em 1886”.
Com a devida vénia ao admin. do blogue “doportoenaoso.blogspot.pt”



“N.º 3872 —Estátua de granito que servia no seculo XVI para indicar a entrada dos navios no rio Douro,- que o bispo D. Miguel mandára alli collocar a fim de evitar naufrágios. Esta estatua havia caído no fundo do rio, porém foi achada ha muitos annos na ocasião de se concertar o caes, tendo ficado também por muito tempo exposta na praia. O sr. Possidonio da Silva conseguiu adquiri-la em 1886 para se conservar a memória do humanitário prelado que tomou tão util providencia”.
In: Catálogo do Museu de Archeologia da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, Largo do Carmo, em 1892



“ (…) Na mesma ocasião também foi descoberta uma lápide e foram recolhidos diversos fragmentos de colunas. As colunas seriam marcas que assinalavam os rochedos por entre os quais se navegava e uma lápide de granito, com uma inscrição, também guardada no referido museu e referida no citado catálogo, com o n.º 3872 bis —Inscripção em pedra de granito pertencente á estatua a que se refere o número anterior.
Aquela lápide dizia:
MICHAELSILVIV / EPISCOP. VISENS. / NAVIGANTIVM SALVTISCAVSA / TVRRISIIFECIT / ETIIIICOLVMNAS / POSVIT / ANN. M. D.XXXV. 
(Miguel Silva Bispo vendo a necessidade de salvar navegantes fez duas torres e colocou 4 colunas no ano de 1535)”.
Com a devida vénia ao admin. do blogue “doportoenaoso.blogspot.pt”




Então, teria sido o bispo D. Miguel da Silva quem teria mandado erigir, num rochedo, em frente da capela/farol, uma marca de navegação personalizada numa estátua de uma personagem vestida com uma toga.
Posteriormente, nesse local esteve uma outra marca conhecida pela Cruz de Ferro.
Numa cheia de grandes proporções em 1788, esta última marca sinalética sofreu danos de vulto e teve que se proceder a obras de restauro.
Estas foram conduzidas pelo director de Obras Públicas, o arquitecto e engenheiro militar José Champalimaud de Nussane (1730-1799), que foi escolhido para o cargo pelo presidente e inspector das Obras Públicas da cidade, José Roberto Vidal da Gama (governador da Relação do Porto de 1786 a 1790).
O projecto seria executado pelo mestre pedreiro José de Sousa e pelo mestre ferreiro António do Pinho.
Em Março de 1789, um ano depois do colapso da antiga marca fluvial, a nova já estava inaugurada.
 
 

Cruz de Ferro. Projecto de José Champalimaud de Nussane




À esquerda, bem no canto, a igreja de S. João Baptista, e o paredão da margem direita já construído
 
 
 
Os faróis e os farolins, desde há séculos, constituem as balizas de navegação mais usadas pelos mareantes.
Presentemente, têm características próprias e bem conhecidas de cadência dos seus sinais luminosos, cor e duração dos mesmos.
O que os distingue é o alcance: aceita-se que para os faróis será superior às 15 milhas náuticas. Inferior a este valor, já será considerado um farolim. 


(Continua)

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